Em câmara lenta


A sala está cheia.

Todos nós, homens e mulheres, vestimos roupas de cores mortiças. Preto, beije, castanho e cinzento são as tonalidades dominantes.

Por mais que tenhamos lutado, de manhã, em frente ao espelho, mexido e remexido o roupeiro, foram estas as cores que trouxemos connosco.

A luta contra a permanência das nuvens escuras da estação nas nossas vidas não está a surtir os efeitos devidos. Elas não nos abandonam e colam-se às nossas vestes, aos nossos semblantes, aos nossos estados de espírito.

Aqui estamos, em bloco sorumbático, de olhos cravados nas folhas, no quadro e no horizonte, que tantas vezes corresponde a um mero ponto focado na parede da frente, à malha que se abriu nas meias rendadas da colega em frente e insistem em percorrer-lhe as pernas!

Ela entra na sala, já depois da hora e espalha uma agradável mistura de cheiro a flores e chuva  pelo ar.

A visão daquela mulher, de finos cabelos loiros escorridos, ancas generosas, de vestido verde, floral, fluído, ligeiramente drapeado na zona da cintura, coberta por um casaco acolchoado verde de corte imaculado,  punhos roxos elegantes, faz esquecer o vendaval lá fora, as duas horas passadas entre transportes públicos para ali chegar, o remoinho de vento que se formou à entrada do prédio e quase a impediu de andar.

É só um vento mau...vai passar!

Os olhos do mulherio desprendem-se das secretárias, das letras, dos conteúdos, para contemplar a forma, a miragem daquela flor viçosa que desabrochou num tristonho dia de inverno, para gáudio nosso.

Não se sabe se para os homens a entrada foi assim tão triunfal, mas para nós, mulheres, que olhamos umas para as outras, notamos o que poderia ter sido vestido, o que está em falta, o que é excessivo e comentamos, invejamos ou deixamo-nos inspirar umas pelas outras, este foi o acontecimento.

De repente, na gravata do homem em frente, que parecia desdotada de qualquer interesse, já se fazem notar umas pequenas frases, escritas a dourado sobre a base bordeaux. Do fato cinzento escuro sobressaem as riscas cinza finas, que lhe dão um certo requinte.

Os olhos encovados da mulher de casaco grosso parecem ganhar brilho.

As cores começam a aparecer, em câmara lenta, e o dia ganha luz.


Comentários

  1. Há homens que dizem que, as mulheres, pela manhã, perdem tempo a pensar no que vão vestir, sómente em prol de agradarem aos homens! Estão redondamente enganados!
    Em regra, a grande maioria das mulheres, pensa em agradar, apenas e só às outras mulheres.
    Entram com aquele ar de CHEGUEI a aguardarem um olhar, quiçá, invejoso, malicioso, extasiado, aprovador...tudo é possível.
    Existem,contudo, exeções à regra. Mulheres que se vestem para agradar ao homem pelo qual se estão a deixar conquistar, ou que desejam conquistar, e as que se vestem única e exclusivamente para agradar a si próprias!
    São estas as mulheres que eu admiro!

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    1. Mais um comentário explícito!!! Adoro receber as suas palavras, sobre todos e mais alguns assuntos. Bjss

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    2. Patty, por vezes estou inspirada! Há que aproveitar esses momentos.
      Bom fim de semana para si e para o meu afilhado Jakim. Bjks

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  2. Punhos roxos ...a minha cara ! eu confesso ás vezes a preguiça é demasiado, porque trato de mim por mim e para mim...logo a minha preguiça é a minha luta. Quem gosta gosta , quem não gosta, temos pena .

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    1. Ó amori, tu investe, como tens investido!!! A malta gosta.
      Bjs minha querida

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