Mulher sofre...ó se sofre



Ontem decidi que para o nosso primeiro aniversário, havia de vestir uma coisinha sexy.

Hoje quando me vi ao espelho achei que o meu conceito de sexy não está muito apurado.
Meias opacas, porque combatem mais o frio, saia lápis xadrez, camisola de gola alta vermelha, cinto a marcar a cintura e sapatos pretos de camurça com mais de cinco centímetros. Olhos espintalgados, cabelo um pouco ripado, preso num perfeito apanhado. Sobretudo preto.

Bem, pelo menos tentei. Espero que o visual faça o efeito pretendido. Afinal, quem dá o que pode a mais não é obrigado.

Agora, no final do dia, metade da produção já se foi. O blush foi com toda a certeza chupado pelos ácaros da papelada que me andou a rodear, as meias já estão um bocado para o espatifado e os saltos....ai os saltos....até tenho calafrios, com os apertos que me estão a dar.

Seis graus lá fora. Mulher, ganha coragem. Sobreviveste de manhã, ou não?

Desliguei o computador, arrumei pastas e dossiers, pus a marmita dentro do saco, fiz a última ronda do dia, despedi-me da Luísa, que fica sempre a trabalhar até mais tarde e fui andando.

Em passos de gueixa, dirigi-me para o elevador e desci até ao atrio. Já a pensar no tempo que havia de esperar fui tratar de "pendências" pela área e regressei cabisbaixa e enregelada.

Não fechem as portas do congelador que não é preciso. Só tu. Sainha trolaró num dia destes!!! Se não reconheces mérito a este empenho és homem morto.

Sentei-me nuns bancos, em modo abandonada e para não deixar o tédio apoderar-se por completo das minhas entranhas (já que o frio havia congelado os neurónios) decidi dedicar-me á cóltura.

Vá,  vai lá ver, com "olhos de ver", a exposição que aqui está patente há meses.

Numa voltinha aos trabalhos concluí que aquela mulher parecia adivinhar o que me ia pela cabeça.




                                          "Sonho, rio, corro o mundo", de Ana Isabel Isidoro.

Pois é isso mesmo que apetece fazer. Artista que é artista tem sempre a sua razão.

Às oito da noite, feita gata borralheira, minha menina, está mais que certo que não vais correr mundo. Também não vais pintar. Então deixa-te de tretas e sonha, sonha!

Anda-me a fazer falta sonhar mais acordada, rir mais e planear com cabeça tronco e membros aquela viagem ao Douro com o Carlos. Não precisamos de correr o mundo inteiro quando ainda não conhecemos os cantinhos todos à nossa casa.

Este ano, eu, ele e a natureza. Douro, abre alas que se faz tarde. Chegam cinco dias úteis, numa casa de turismo rural para fazer reset.

Fiquei alí à espera que ele chegasse para irmos jantar ao restaurante japonês onde já somos praticamente familia, apesar de só comunicarmos com o staf por linguagem gestual.

O telemóvel tocou.

- Sofia, estou meia hora atrasado. Ainda estás a trabalhar?

- Achas? Até já me estava a faltar o ar. Fui à rua, já confirmei aquele débito que me pediste para verificar, fui até à farmácia comprar-te umas pastilhas para a garganta, liguei à Ana e voltei para o edifício.
Estou a ver uma exposição e estou a sonhar.

- Tu sonha mulher, sonha!- diz ele, a pensar que devo andar a preparar alguma....
  Aguenta-te por aí que não falta quase nada para te ir buscar.

- Sim, sim - respondi-lhe, quase certa que a meia hora se transformaria num pouco mais.

Deixei-me ficar a sonhar e a planear mentalmente a nossa fuga.

Analisei melhor o quadro. Mesmo em frente a ele só eram visíveis elevações, pequenos pedaços de madeira, de diferentes tamanhos, a que a pintora atribuiu cores distintas.

À medida que me distanciei, foi-se tornando nítido que por alí não estava só um amontoado de objetos. Estava um bonito sorriso.

Curiosamente, hoje, aquela desconhecida fez-me sorrir.

Dei mais uns passos e a seguir encontrei esta harmoniosa mescla de pregos, cacos de loiça partida, parafusos, que perfizeram um universo excêntrico de cor.

Ela chamou-lhe "Quem sou? Cada elemento aqui presente é um pedaço da minha essência".


Há gente com imaginação. Grandes remédios para valentes secas e compassos de espera!

Saltei quando ouvi a buzina lá fora. Que discreto, este homem!

- Já vou. Estou a ir - disse em voz alta, enquanto me dirigia a ele, completamente desengonçada, em cima dos saltos altos que tão cedo não devo voltar a usar.



Comentários

  1. Há uma história por trás de cada pessoa.
    Ainda assim, arrisco.
    Conheço o local, as imagens, a personagem principal, conheço esse sorriso.... :)

    Gostei do texto.

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  2. Nem sempre as coisas acontecem como queremos e nem sempre falamos o que sentimos.
    Sei que te devo desculpas…
    Tento ser o melhor que posso, assumindo meu lado passivo, mas de repente já estou agindo impulsivamente e o que não era para acontecer, acaba acontecendo…
    Vou mudar e tentar não cometer os mesmos erros.
    Não queria e não quero magoar-te…
    Estás sempre ao meu lado e é o lado bom da minha vida.
    Assim como você é capaz de me entender, eu também serei capaz de melhorar e mudar.
    Desculpa-me…
    És muito especial para mim.
    És responsável por eu acreditar que a felicidade está perto de mim.
    Ofereço-te o que tenho…
    Minha Amizade.
    Uma amizade que nos faz bem e é verdadeira…

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  3. Olá, como não me respondestes, pergunto eu, se desconfias ou sabes a identidade deste teu amigo anónimo, que te quer muito, muito bem.

    Beijinho

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