A Miúda "Vista Alegre"

Tem pouco mais de trinta anos, um alma bondosa e postura nobre.
É uma miúda deveras inspiradora.
Tão distinta, que lhe basta pôr um casaco assertoado, uns brincos discretos, risco nos lindos olhos castanhos, rímel nas pestanas, um batom claro nos lábios e fica imediatamente impecável.
Calma, muito delicada e gentil para o próximo, é mulher de valores e senhora de gestos muito especiais. Tê-la como amiga é um bálsamo.
No outro dia, estava a trabalhar, quando recebo uma mensagem dela pelo whatsaap:
- Luísa, encontrei o serviço de jantar Vista Alegre dos meus sonhos, no OLX.
E mandou-me uma imagem com a baixela e respetivos valores.

Lindo!

- Muito bonito, de facto - Respondo-lhe.
- Está super barato, como podes ver. Isto é uma pechincha. Também inclui faqueiro e serviço de copos. E nada foi utilizado. Tenho de o comprar. É pá, tem mesmo de ser - Escreve, entusiasmada.
- Mas há um pequeno pormenor Luísa. O vendedor é do Porto - Continuou ela a teclar.
- Do Porto Clara? - Pergunto-lhe apreensiva.
E em simultâneo, desato a rir-me para o computador, a imaginar a Luísa a vir com um atrelado do Norte, para transportar tanto material.
- Só mesmo tu miúda.
- Já falei com o meu pai e vamos os dois amanhã ao Porto. Ai que excitação. O meu serviço de sonho, o meu faqueiro, os meus copos de cristal.
- Então, mas amanhã é dia de trabalho. Vais tirar férias? - Pergunto-lhe, admirada.
- Férias? Não! Saio amanhã um pouco mais cedo, pelas quatro e meia da tarde.
- Mas voltam no dia a seguir? Dormem lá?
- Nada disso Luísa! Volto na mesma noite.
Pensei cá para os meus botões que a miúda só podia estar mesmo muito entusiasmada com as loiças dos sonhos. Então, o que te cabe a ti fazer Luísa? Apoiar, apoiar, apoiar. Como se estivesses num jogo de futebol, a torcer pelo sucesso do teu jogador de eleição...
Hummm....mau exemplo mulher! Deves estar esquecida que não és dada aos futebóis.
Torcer por esta viagem, pelo sucesso desta compra Low Cost, como se torcesses pelo reencontro de um grande amor. Assim já funciona melhor, ou não fosses tu consumidora compulsiva de comédias românticas.
A minha Clara é mesmo doidona. Tem uma energia!
Só de pensar na agitação que vai ser o dia dela já fico cansada (esta minha naturalidade alentejana sempre a manifestar-se!).
Sou muito amiga dela, mas cá nestas coisas dos improvisos não somos nada parecidas. Para investir em tamanha aventura (sim, isto para mim seria uma aventura, ao género das que os gaiatos leem nos "Cinco". Alto!Enxerga-te que a miudagem já não lê esses livros, como há trinta anos atrás) esta quarentona tinha de tirar dois dias de férias, com o fim de semana de permeio. E mesmo assim ia suar.
E quando concluo este rol de pensamentos solto uma gargalhada. Caramba, as pessoas são mesmo muito diferentes. E isso tem tanta graça.
Mas isto da ida ao Porto é mesmo da Clara. Tem queda pela cidade, só pode.
No ano passado foi ao Coliseu de Lisboa ver um concerto de um fulano XPTO lá das músicas que ela adora. Passou-se, adorou o concerto. Veio ainda mais fã do homem. No dia seguinte de manhã liga-me a dizer que à noite ia ali até à Invicta, num pulinho, ver novamente o bendito concerto. E voltou na manhã seguinte, fresca e fofa para trabalhar.
As histórias da Clara são sempre originais.
E cá está. Nova mensagem.
- É pá Luísa! Mas tenho medo. E se o senhor com quem nos vamos encontrar nos fizer mal? - Escreve-me ligeiramente ( mas mesmo ligeiramente assustada).
- Não te preocupes - Digo-lhe eu, armada em valente, euzinha que no caso dela já devia andar a contorcer-me com cólicas de tanta "cagunfa".
O senhor teu pai defende-te. E descansa, que uma pessoa que vende um Serviço Vista Alegre no OLX não me parece ter grande propensão para o crime.
- Goza, goza. Olha que há facas robustas no faqueiro - Responde-me com smiles que choram a rir.
Eu do lado de cá rio-me alto. E o vizinho do lado cá do escritório olha-me, com curiosidade.
Eu até percebo esta miúda, a Miúda Vista Alegre. Porque afinal, eu sou daquelas cujas mãezinhas lhes foi fazendo enxoval. E a minha, mestra em bom gosto, sempre me alertou para a importância de uma mesa bem posta, quando se recebe alguém em casa. Dizia ela que eu precisaria, para os meus jantares requintados. Eh eh! Super requintados, diria! Com ela era sempre tudo elevado ao expoente máximo!

Só não me esqueço, se andar com a imagem atrás!!!

Era fácil transportar-me para aquele ambiente de que ela me falava, rodeada de amigos e familiares, numa mesa impecavelmente posta com o que com tanto carinho comprávamos, com total apoio do progenitor pai, a esta bela marca nacional.
Sempre a compreendi quando me dizia que seria intemporal. Ainda mais comprado com ela. Eu tinha a certeza que nunca estaria desatualizado.
Teria de funcionar na minha futura casa. E foi meticulosamente guardado no sótão durante uns aninhos, por papai, até me mudar. E funcionou, passados dez anos. Passados vinte continua a funcionar. Em ocasiões especiais, em almoços e jantares mais triviais.
E o bem que me sabe beber um belo vinho num copo de cristal.
Quando o serviço é levado à mesa, parece que a oiço falar.
Por isso não posso deixar de me encantar com a aventura da Clara. Há uma parte do meu passado que sinto que também lá está. Memórias doces. Se eu tive alguém que tão carinhosa e generosamente pensou como embelezar as minhas refeições futuras, eu quero que a Clara sinta o entusiasmo que eu sentia quando escolhíamos as loiças, ou quando estou a sentar-me à mesa com o que vou tirando do louceiro.
São pratos, são copos, são talheres? Não! São muito mais. Nunca disse isto à Luísa, mas há sintonias que não precisam de ser explicadas. Basta aproveitar.
E lá foi ela feliz e contente até ao Porto.
Quando lá chegou enviou-me uma mensagem, que reportava que o vendedor era de boa índole.
E claro, houve lugar a mais risada virtual.
Voltou com o carro carregado para baixo. E vinha feliz da vida, porque ainda estava tudo nas embalagens originais.

Toca a acelerar!

A Clara parecia ter descoberto um tesouro perdido. É demais.
Mandou-me fotos dos inúmeros caixotes que agora tem em casa para arrumar.
- Ó Luísa, estive para aqui a pensar, enquanto olhava para as caixas. Vou precisar de um louceiro para acondicionar tanto material - Disse, em jeito de graça.
- Nem quero pensar onde o irás buscar. Espero que seja em Portugal Continental..
E ao telefone, desatámos as duas a rir, para não variar.






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