Branca como a cal

A malta anda a sentir falta dos serões em família, nos bem ditos fins de semana de "visita à terra", em que imperava a conversa banal.

Só se falava de trivialidades, do casar e do descasar.

Tudo junto, em volta da mesa, da camilha, do que lhe queiram chamar, em que era colocada a melhor toalha de renda, guardada religiosamente na gaveta para se vir mostrar, vaidosa, em ajuntamentos especiais.

Era a mesma que a avó Alice, com os dedos com artroses insistira em bordar. E falava-se, com saudade, da avó, da marreca nas costas, do porta-moedas com mais de trinta anos e de quem, na sua opinião, o havia de herdar. A toalha ainda estava branca como a cal.


Passavam-se as mãos pela mesa, puxavam-se as cadeiras, bancos, banquinhos, que nunca pareciam faltar.

Começáva-se a ronda na prima Chica que, assoberbada, andava a tratar do filho da estouvada da Catarina que não tinha juízo nenhum, do Joaquim do talho que se fartava de mandar piropos às miúdas novas, do Carlos que nunca mais assentava arraiais com uma rapariga séria, do Tio Fernando que insistia em andar pelas ruas da aldeia com a mota que já remontava a a.c., da mercearia da Dona Clementina que já quase não vendia nada, da Joana que de tão moderna que estava, até já fumava à frente dos pais.

E tudo isto com o "lume" ou a braseira por companhia, até todo o corpo ficar quente e não haver espaço para o frio entrar.
Os miúdos andavam à volta da mesa, a roubar bolos, a correr pela sala, a fazer o chamado "esparvoar". Acabavam por ficar a dormir com os primos, porque, enfastiados da conversa dos adultos, subiam aos quartos para brincar.

Faziam-se os melhores bolos, servia-se um cacau quente a fumegar e esperava-se até conseguir agarrar a chávena a escaldar.

A noite só acabava quando o lume se começava a ficar.

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